A descida para Avernus é fácil,
Mas subir novamente,
Uma vez mais galgar os degraus até o alto,
É o grande desafio.
- Virgílio, A Eneida.
Escrever sobre uma obra de David Cronenberg é difícil e até frustrante, no sentido em que seus filmes possuem uma quantidade desnorteante de informação nova para ser interpretada, e a sensação é de que se está deixando escapar mais do que que é apreendido. Em meu regioleto “mineirês”, diríamos que o filme é socado de sentidos. Socado pois parece haver muito mais interpretações possíveis do que o formato do filme deveria suportar, e tais parecem comprimidas à força: assim que o filme se abre, possibilidades interpretativas jorram na cara do espectador, desorientando-o até o final e tornando impossível sorver tudo numa só visada. eXistenZ, sua distopia de 1999, é tão assim que uma contextualização se faz necessária para que a obra possa ser discutida.
A virada do milênio foi um evento caracterizado por manifestações de medo e
ignorância sobre o futuro, principalmente no tocante aos computadores. Lembro-me quena festa de réveillon do ano de 1999 para o ano 2000, a sensação de pânico na pequena cidade onde cresci era tão grande que a despeito dos adultos rirem-se e congratularem-se compulsoriamente, muitos dos meus primos menores choravam de nervosismo e apreensão, conforme a contagem regressiva aproximava-se do momento (sob nossa pueril perspectiva) em que revelaria-se o início de um novo ano ou o final do último.
O medo daquele período centrava-se majoritariamente nos computadores e na mística envolta no início de sua ascensão. O senso comum ditava que, como é dito no filme The Fly (1986), tais máquinas eram “mecanismos estúpidos que sabiam apenas aquilo que lhes era dito”, e que quando chegasse o momento da virada do milênio, os computadores - que marcavam as datas com apenas dois dígitos - não saberiam que o ano 2000 não era, de fato, o ano 1900, e todas as contas bancárias seriam zeradas, os registros seriam deletados e tudo aquilo construído dentro do domínio da informática entraria em colapso, gerando caos e terrorismo. Ainda que nós, brasileiros pobres e interioranos, não fossemos incluirmo-nos na realidade virtual por pelo menos mais uma década, já imaginávamos o terror de um mundo de tecnologias cujo propósito excedeu a capacidade humana de controle. Esse medo natural, advindo das mudanças sociais que a informatização vem trazendo desde seu surgimento, não atingiu apenas minha família, mas acometeu e foi debatido pela sociedade e também pelo cinema do período.
Leia o ensaio completo em: A eXistênCia Enquanto Matriz Inescapável
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